Preso na Operação Lava Jato, o ex-deputado Eduardo Cunha era um profundo conhecedor dos valores arrecadados pelo PMDB. Ao contrário do PT, que tinha um tesoureiro específico para arrecadar dinheiro para o partido, o PMDB distribuía a tarefa entre várias pessoas. Uma das mais poderosas era Eduardo Cunha. Mais do que isso, o deputado tinha em sua área de influência a Caixa Econômica, dividida com um dos mais próximos assessores do presidente Michel Temer, o ministro Moreira Franco. Por tudo isso, quando Cunha fala de doações para campanha ou verbas da Caixa, o conteúdo de suas afirmações – ou perguntas – pode ser explosivo.
E foi assim que Eduardo Cunha deu mais um sinal a Temer de quão perigosa para o governo será sua defesa na Justiça – ou, mais ainda, um eventual acordo de delação premiada. Os advogados fazem a parte técnica, enquanto Cunha, mesmo preso, faz política citando o Palácio do Planalto. Não por acaso, ele colocou Michel Temer como testemunha na investigação que corre na Justiça Federal em Brasília – e não poupou insinuações. Como revelou epoca.com.br com exclusividade na quinta-feira (16), Cunha questionou Temer sobre a participação do presidente e do ministro Moreira Franco em reuniões para tratar de propina e doações eleitorais em troca de financiamentos do fundo de investimento do FGTS, o FI-FGTS. Cunha é investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, em Brasília, sob a suspeita de arrecadar propina no FI-FGTS. Em razão do cargo, Michel Temer tem a prerrogativa de responder às perguntas por escrito. As questões foram formuladas diretamente por Cunha em Curitiba à Justiça em Brasília, onde corre o processo.
Similar ao que ocorreu na Lava Jato, as perguntas de Cunha sugerem a participação de Temer e Moreira Franco como intermediadores de propina ou de doações para o PMDB – em especial, em negociações com as empreiteiras Odebrecht e OAS. No caso da operação tocada em Curitiba, o juiz Sergio Moro entendeu que parte das perguntas era uma maneira de intimidar Temer e vetou 21 das 41 perguntas. O tom, naquele momento, ainda era comedido. Era novembro de 2016. “Vossa Excelência foi comunicado pelo Sr. Nestor Cerveró sobre uma suposta proposta financeira feita a ele para sua manutenção no cargo?”
Agora, na Justiça Federal em Brasília, Cunha vai além e pergunta expressamente sobre propina – vantagem indevida, no termo jurídico. A pergunta mais grave cita Moreira Franco e Érica, a quem Eduardo Cunha não atribui nem sobrenome nem cargo – ou qual seria a participação dela. “[Michel Temer] Tem conhecimento de oferecimento de alguma vantagem indevida, seja a Érica ou Moreira Franco, seja posteriormente para liberação de financiamento do FI/FGTS?”, escreveu Cunha. No caso específico de Temer, o ex-deputado fala em doações eleitorais vinculadas ao dinheiro liberado pelo FI-FGTS. Cunha ainda questiona Temer sobre Benedito Júnior, da Odebrecht, e Léo Pinheiro, da OAS, dois executivos presos pela Lava Jato sob a suspeita de pagar propina a políticos, incluindo caixa dois em campanhas. Benedito Júnior, aliás, é um dos principais delatores da Odebrecht.
Sobre as campanhas questionadas por Cunha, uma das situações envolve Gabriel Chalita, candidato a prefeito de São Paulo em 2012 pelo PMDB, com o apoio de Temer. “Sabe dizer se algum deles fez doação para a campanha de Gabriel Chalita em 2012? Se positiva a resposta, houve a participação do senhor? Estava vinculada à liberação desses recursos da Caixa no FI/FGTS?”, pergunta o ex-deputado. Naquela campanha, Chalita recebeu R$ 200 mil da OAS – a empreiteira tinha negócios no FI-FGTS e foi delatada por Fábio Cleto.
Há ainda outro personagem relevante citado por Cunha. Trata-se de André de Souza, que Cunha questiona se estava presente nas reuniões. Ele era um conselheiro do fundo, indicado pela CUT e ligado ao PT, que depois se tornou próximo de Moreira Franco. Souza não foi localizado pela reportagem. Procurados, Moreira Franco e Michel Temer responderam em uma nota curta: “Não há o que responder sobre reuniões que nunca ocorreram e conversas que jamais existiram”.
Enquanto trava essa guerra tácita com Temer na Justiça, Cunha ainda alimenta a esperança de conseguir ser solto, uma vez que sua prisão é provisória. No primeiro julgamento da Lava Jato após o ministro Luiz Edson Fachin assumir a relatoria do caso, o plenário do Supremo Tribunal Federal negou, na quarta-feira (15), uma ação que poderia resultar em sua soltura. Por 8 votos contra apenas 1, a maioria dos ministros decidiu negar o pedido da defesa. Contudo, a rejeição do pedido não quer dizer que os ministros veem legalidade na detenção de Cunha. Não necessariamente. O que havia em questão era se a ordem dada pelo juiz Sergio Moro de prender Cunha estava em desacordo com uma decisão anterior de Teori Zavascki, morto em janeiro. Nesse ponto, os ministros entenderam que não havia descumprimento.
Na prática, a decisão do Supremo foi “processual” – ou seja, não analisou o mérito da prisão, apenas se o processo seguiu as regras. Apesar do revés para o ex-deputado, ao menos três ministros deixaram claro em suas falas que o tempo das prisões preventivas tem sido demasiadamente alongado. Por uma súmula do Supremo, sem julgamento prévio das instâncias inferiores, a Corte não pode analisar pedidos semelhantes. Ou seja, enquanto o Superior Tribunal de Justiça não se decidir, o Supremo não pode interferir no caso. Até lá, Eduardo Cunha vai assombrar o Planalto.
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