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Manobra vergonhosa

Manobra vergonhosa

Editorial, Folha de S. Paulo

Em surdina, ao cair da noite, deputados federais mancomunaram-se na segunda-feira (19) com o propósito de blindar, em pelo menos um ponto, políticos acossados pela Operação Lava Jato.

Denunciada a tempo, graças à vigilância de alguns poucos congressistas de partidos alheios ao festim —como Rede e PSOL—, a proposta foi retirada da pauta.

Como se sabe, as autoridades da Lava Jato têm entendido que doações ocultas nada mais constituíram, no escândalo do petrolão, do que formas de lavar recursos obtidos por meio de um verdadeiro assalto aos cofres públicos.

Uma sorrateira emenda então se articula na Câmara, com o assentimento dos que se juram eternos inocentes, dos que incendeiam a tribuna apenas contra a corrupção do vizinho e dos muitos que se fazem de desentendidos quando mudam de governo em busca de vantagens inconfessáveis.

Pretendia-se passar a impressão de apoio a um dos itens das chamadas dez medidas contra a corrupção propostas pelo Ministério Público Federal: o caixa dois seria crime passível de punição específica.

Sem que se tenha revelado o teor do projeto, entretanto, o acordo entre os falsos campeões da moralidade abria a possibilidade de que todos os envolvidos nesse tipo de atividade viessem a ser anistiados pelo que tenham feito até aqui.

Defensor da criminalização do caixa dois, o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) afirma que era zero a chance de haver anistia. A pressa na aprovação do projeto se justificaria para que a lei vigorasse já nas disputas municipais deste ano.

Fosse assim, por que tanto sigilo? Por que incluir subitamente na pauta da Câmara mudança legislativa em assunto tão sensível para a opinião pública e de especial interesse para a propinocracia da maioria dos partidos?

Fossem nobres as intenções, por que ninguém se prontificou a assumir a paternidade da medida?

Apontam-se os dedos para o PSDB e para o PP, repletos de nomes implicados na Lava Jato. Mais tarde menciona-se a participação do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e do líder do governo Michel Temer (PMDB) na Câmara, André Moura (PSC-SE).

Não, não havia nobreza nas atitudes de segunda-feira. O contexto é claro: os novos ocupantes do poder, aliados aos que o aproveitavam desde antes, cansaram-se de falar contra a corrupção.

Querem seus proveitos, querem a impunidade. Querem, num momento de distração da sociedade, atirar por terra a máscara da moralidade de que se serviram e trocá-la por outra —talvez a das clássicas caricaturas do criminoso armado— que lhes caiba melhor.