Mary Zaidan
Corruptores e corruptos não registram seus negócios em cartório, não emitem recibos. Tentam não deixar vestígios. Buscam o crime perfeito. Mas quando as investigações de delitos se aproximam dos que se consideram incomuns e, portanto, autorizados a surfar acima da lei, não raro eles tropeçam em suas próprias pegadas. Tornam-se vítimas de seu auto-endeusamento.
Foi assim com Fernando Collor de Mello, cassado em 1992, com José Dirceu, o “chefe da quadrilha”, e com os demais da trupe do Mensalão. Tem sido assim com os acusados e condenados no âmbito da Lava-Jato. É assim com ex-presidente Lula.
Denunciado por corrupção ativa e passiva, tendo como objetos o tríplex do Guarujá e a guarda de bens paga pela empreiteira OAS, Lula foi apontado como “comandante máximo da organização criminosa” pelos promotores da Lava-Jato. Isso exposto em uma peça de 149 páginas que detalha os meandros – conhecidos, mas ainda assim chocantes – da institucionalização da corrupção sob a batuta de Lula.
Lula, é claro, reagiu. Trocou a verve e a indignação de “jararaca” pelo tom emocional e o choro, mais apropriados para o papel de vítima. Mas, como não rebateu as acusações e muito menos se dispôs a responder perguntas de jornalistas, não conseguiu remover nem uma lasquinha da lama agarrada a seus pés.
Insistiu que não há provas contra ele e que o tríplex do Guarujá não é de sua propriedade.
Nada falou sobre a milionária troca de favores entre ele e empreiteiros, sobre a compra de partidos políticos com percentuais afanados nas operações da Petrobras, sobre o suborno de políticos no Congresso Nacional, sobre o financiamento de campanhas do PT e de partidos aliados. Nada.
Não tinha mesmo o que dizer diante do exposto pelos procuradores da força-tarefa na contextualização da denúncia. Argumentar que não sabia? Que as dezenas de depoimentos e delações de pessoas diferentes sobre os mesmos fatos não passam de coincidência?
A saída, jurídica e política, é dizer sempre que tudo — dos bilhões roubados aos pequenos favores — faz parte de uma grande conspiração contra o metalúrgico que veio da pobreza, penalizado pela “elite conservadora” por sua obra no combate à miséria.
Lula trata os procuradores da Lava-Jato de “meninos”, não de forma agressiva como a deposta Dilma Rousseff chamava os desafetos de querido ou querida, mas como quem, piedoso, diz que eles não sabem o que fazem.
Uma santa Madre Teresa que se considera um Tiradentes esquartejado em praça pública. Um JK perseguido por Amaral Neto, um Jesus Cristo. Coisa para ocupar juntas de psiquiatras, animar mestrados e doutoramentos.
O Fiat Elba prata, placa FA 1208, estopim do impeachment de Collor, enrolado com milhões da Operação Uruguai, não estava no nome dele. O apartamento 164-A do Condomínio Solaris, na Avenida Gal. Monteiro de Barros, 638, Guarujá, SP, também não está no nome de Lula.
O carro de Collor apareceu como sendo de Roseane, primeira-dama à época. O tríplex já foi, não foi, foi de novo e não foi mais uma vez da mulher de Lula, Marisa Letícia. Depois, voltou a ser da OAS, única unidade que a empreiteira não colocou à venda mesmo após uma reforma de luxo, com cozinha similar à do sítio de Atibaia (provável alvo de outra denúncia), que só tem pertences de Lula e Marisa, mas que o ex garante que não é seu.
Sem registro em cartório e recibo, a corrupção vem à tona no detalhe. Na troca de favores de pequena monta, naquele mimo para agradar o chefe ou, melhor ainda, a mulher dele. Seja na aquisição de um carro zero, na reforma de apartamento, na compra de cozinhas modulares e até mesmo de pedalinhos baratinhos.
Trocados perto dos bilhões afanados. Mas é exatamente aqui, na satisfação de pequenos luxos, que os que se consideram intocáveis se esborracham. O Lula que agora chora sabe bem disso.
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