Eliane Cantanhêde
Rússia, Índia, África do Sul, Nigéria, México e mesmo a China, segunda maior economia do mundo, são países considerados emergentes e muito corruptos, como o Brasil. Mas com uma diferença: o Brasil é o único que está dando o exemplo, remexendo suas entranhas, expondo seus podres e discutindo ardentemente como construir um futuro mais decente. Onde mais se veem os maiores empreiteiros presos, os principais políticos denunciados, as instituições tão determinadas?
Com tanto dinheiro desviado dos cofres públicos, em tantas frentes e com tão variados personagens, é razoável dizer que o Brasil ganhou a medalha de ouro da corrupção antes mesmo da Olimpíada, como ironizou o jornal de mais prestígio no mundo, o The New York Times. Mas a avaliação ficaria mais correta e seria mais justa se também incluísse o Brasil como forte candidato a vencer a corrida contra a corrupção. O troféu é a Lava Jato.
Em contatos com embaixadas estrangeiras em Brasília, inclusive a dos Estados Unidos, a Transparência Internacional disse que o Brasil é um “case” a ser estudado, e nas duas pontas: como foi possível chegar a tal nível de corrupção? E como é o processo que permite descobrir tudo, expor ao público e começar a punir os culpados? A terceira ponta exige uma reflexão bem mais complexa: quais serão as consequências, o que vem em seguida?
Foi possível chegar a esse tsunami de corrupção porque a lei do país permite e às vezes até estimula, as regras de controle das estatais e das corporações são frouxas e a impunidade para ricos e poderosos impera. Quando roubar é fácil, muita gente passa a roubar. E, quando muita gente rouba, o céu é o limite. Daí porque, onde o Ministério Público, a Polícia Federal, a Receita Federal e a Justiça põem o dedo, acham um tumor milionário ou bilionário. Até no crédito consignado, até na Lei Rouanet.
O processo de identificar, comprovar, expor e punir está avançadíssimo. A Lava Jato passou a ser uma operação-mãe, que produz robustos filhotes, como Zelotes, Custo Brasil, Boca Livre, Turbulência e Saqueador. E o juiz Sérgio Moro não está mais sozinho. Em São Paulo, Brasília, Recife e no Rio desabrocham juízes, procuradores e promotores de uma geração que soma vontade com a capacidade.
Os políticos se sentiam a salvo quando o pau quebrava na cabeça dos “outros”, os empreiteiros, funcionários e operadores, mas o “timing” pode se virar contra eles, que entram na mira justamente quando a opinião pública, estarrecida com o tamanho dos desvios, quer sangue e pelotões de fuzilamento. A justiça chega aos políticos quando a paciência se esgotou e, com ela, o cuidado, a frieza e o bom senso. O risco, principalmente na mídia, é por todo mundo no mesmo paredão e atirar indistintamente.
A Odebrecht, por exemplo, doou para centenas de políticos, em dezenas de campanhas. Toda doação é propina? Todo político é ladrão? Se fosse assim, seria melhor fechar o Congresso, jogar fora a chave da democracia e instalar uma ditadura. Quando, aliás, não há “lava jatos”. Ninguém fica sabendo quem é corrupto, quanto rouba, de onde rouba. O sangue e os pelotões de fuzilamento são por razões muito diferentes do combate à corrupção.
Desde as históricas manifestações de junho de 2013, chegamos ao momento mais delicado desse fantástico processo que põe o Brasil na vanguarda dos países emergentes. Fuzilar todos é explodir tudo. Denunciar práticas e punir quem merece é implodir o que tem de ser implodido e construir pontes para o futuro. Nem toda doação de campanha é crime, nem todos são iguais.
Aliás… O MP reconheceu o erro e o STF retirou o ministro da Educação, Mendonça Filho, de um inquérito sobre propina. Mas ele já tinha sido manchete, já tinha sido colocado no paredão da opinião pública. Deve ou não ser fuzilado?
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