Marcelo Rocha, IstoÉ
A Andrade Gutierrez, segunda maior empreiteira do País e investigada na Operação Lava-Jato, abasteceu as campanhas da presidente Dilma Rousseff em 2010 e 2014 com propina desviada de contratos da Petrobras e de estatais do setor elétrico. A acusação faz parte da delação premiada de executivos da empresa. Onze representantes da Andrade firmaram acordo para colaborar com o Ministério Público Federal. As delações foram homologadas pelo ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), na quinta-feira 7. Parte do conteúdo da colaboração foi revelado pelo jornal Folha de S. Paulo.
A delação de executivos da Andrade caiu como uma bomba sobre o Palácio do Planalto. Não só por reafirmar que o dinheiro do Petrolão e do Eletrolão financiou a campanha à reeleição de Dilma, mas também porque instala a crise dentro do gabinete presidencial. A colaboração de representantes da empreiteira implica diretamente o assessor especial da Presidência Giles Azevedo, um dos únicos a gozar da confiança da petista. Giles é acusado de, juntamente com o então tesoureiro de campanha, Edinho Silva, “intimar” o empresário a fazer doação para a campanha da petista, conforme é detalhado na colaboração. Na conversa, Giles, mesmo sem ser o tesoureiro da campanha, mostrou que sabia que os recursos eram provenientes do esquema do Petrolão.
Além de aumentar a pressão popular e a temperatura política para que os deputados votem pelo impeachment, este episódio tem um efeito bem pragmático. Caso Dilma sobreviva ao impeachment, cenário este hoje improvável, a pergunta que começa a habitar as mentes dos parlamentares é: por quanto tempo este governo vai sobreviver ao processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que investiga a regularidade das contas da chapa presidencial, diante de denúncias tão avassaladoras? Adversários do Planalto vão pedir ao TSE o compartilhamento dessas delações. Em última instância, caberá ao ministro Zavascki autorizar o envio das informações.
A Andrade registrou na Justiça Eleitoral R$ 20 milhões em doações para a reeleição de Dilma de 2014. A propina, segundo os colaboradores, estaria ligada a contratos para obras no Complexo Petroquímico do Rio, o Comperj, sob a responsabilidade da Petrobras, e as usinas de Angra 3 (Eletronuclear) e Belo Monte (Eletrobras). O ex-presidente da empreiteira Otávio Azevedo explicou aos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Brasília como foram organizadas as doações eleitorais: parte relativa aos compromissos com o governo por atuar nas obras, o que seria a propina, e o restante como ação institucional em forma de doação.
A fonte desses recursos seria principalmente as obras de Belo Monte. Segundo a delação, a Andrade deveria reunir empresas que pagassem 1% do valor da obra para o PT e para o PMDB. Seria algo em torno de R$ 150 milhões, cabendo R$ 75 milhões a cada partido. Cada empresa colaborou com um percentual. Os executivos da empreiteira confessaram que outras nove construtoras também pagaram propina em troca do contrato de construção da usina. A propina foi paga por meio de doações eleitorais para os dois partidos em 2010 e 2014. No PT, o contato era o ex-tesoureiro João Vaccari Neto. No PMDB, Edison Lobão.
Os delatores revelaram como foram as negociações com o então ministro de Minas e Energia Edison Lobão, do PMDB, em 2009. Segundo delatores, Lobão afirmou que, por decisão de governo, dois grupos de empresas foram criados para dar aparência de competição ao leilão. As empresas se dividiram em dois grupos. O leilão ocorreu em junho de 2010. Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa desistiram da concorrência por discordar do valor estimado para obra (R$ 19 bilhões), estimado pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética). Formado por oito empresas, algumas sem experiência na construção de hidrelétricas (Queiroz Galvão, Mendes Júnior, Serveng, Contern, Cetenco, Gaia, Galvão e J.Malucelli), um outro grupo ganhou a disputa, mas, na sequência, permitiu a entrada das três concorrentes que haviam desistido. Andrade Gutierrez (18%), Odebrecht (16%) e Camargo Corrêa (16%) concentraram pouco mais da metade dos contratos. O valor da propina paga a PT e PMDB, segundo Otávio Azevedo, seguia o percentual de cada uma no Consórcio Construtor de Belo Monte. Por meio de seus advogados, Lobão negou irregularidades que lhe são atribuídas.
A delação da Andrade complementa declarações que já haviam sido apresentadas pelo senador e também colaborador da Justiça Delcídio do Amaral (MS) ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O conteúdo dos depoimentos de Delcídio foi antecipado com exclusividade por ISTOÉ. Segundo o parlamentar, o dinheiro desviado de Belo Monte implica, além da campanha presidencial, os ex-ministros petistas Erenice Guerra e Antonio Palocci. Segundo a colaboração de Otávio Azevedo, a montagem do grupo de empresas também envolveu o ex-diretor da Eletrobras Valter Cardeal, muito ligada à presidente Dilma, e do pecuarista José Carlos Bumlai, e amigo do ex-presidente Lula. Segundo Otávio Azevedo, ele foi procurado pelo ex-tesoureiro da campanha de Dilma e atual ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), Edinho Silva, e por Giles Azevedo, que o “intimaram” a doar dinheiro.
O ex-executivo Flávio Barra também revelou a participação do ex-ministro Delfim Neto, que teria colaborado na montagem do negócio. A empreiteira pagou R$ 15 milhões de propina ao economista em 2010. O montante teria chegado a Delfim por meio de contratos fictícios de empresas de um sobrinho dele, Luiz Apolônio Neto, com a construtora. O advogado Flávio Caetano, coordenador jurídico da campanha de Dilma, negou irregularidades na contabilidade eleitoral da petista. Em nota, Caetano afirmou que o empresário Otávio Azevedo requisitou uma reunião para tratar de doações e viajou a Brasília por livre e espontânea vontade. Segundo o advogado, o representante da Andrade conversou com os coordenadores da campanha, por intermédio de Giles Azevedo e Edinho Silva e manifestou o desejo de fazer doações à campanha. Edinho Silva concedeu entrevista no Planalto sobre o assunto: “Jamais eu participei de qualquer diálogo com o presidente da referida empresa onde tivesse sido mencionado a palavra propina ou onde tivesse sido mencionado relações com contratos ou obras do governo federal”, disse o ex-tesoureiro da campanha de Dilma. Os delatores apresentaram uma tabela aos procuradores que relacionou doações que seriam fruto de propina para as campanhas de 2010, tanto para o comitê presidencial quanto para o diretório do PT, e para a eleição municipal de 2012.
Outro assunto abordado na colaboração de executivos da Andrade foi a construção de arenas da Copa do Mundo, que teria envolvido também o pagamento de propina a agentes públicos. Os executivos da Andrade Gutierrez discorreram sobre o Mané Garrincha, em Brasília. A empreiteira atuou ainda, sozinha ou em consórcio, na reforma do Maracanã, no Rio, do Beira-Rio, em Porto Alegre, e na construção da Arena Amazonas, em Manaus. No caso do Beira-Rio, o assunto que pode render mais problemas para a presidente por envolver seu ex-assessor Anderson Dornelles, ligado a empresário que mantêm um bar na arena. A Andrade Gutierrez se comprometeu a devolver R$ 1 bilhão aos cofres públicos, calculado a partir do faturamento que a empresa obteve junto aos governos do PT. Os executivos da Andrade respondem a crimes na Justiça Federal do Paraná, relacionados a irregularidades na Petrobras, e no Rio de Janeiro, por suspeita de pagamento de propina em Angra 3.
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