Mesmo alto funcionário chamou atenção da então ministra da Casa Civil para a tramitação irregular de MPs no gabinete presidencial de Lula
Daniel Pereira e Hugo Marques, Veja
O empresário João Batista Motta exercia o mandato de senador pelo Espírito Santo quando entrou na sala do então líder do PMDB, Ney Suassuna, com um aviso e uma exigência: “Estou em obstrução. Só voto qualquer matéria quando a dona Armênia voltar para a folha de pagamento da Casa”. Motta integrava o baixo clero, identificação coletiva dos parlamentares mais facilmente manobráveis e de pouco prestígio político. Ele barganhava um favor pessoal sem o menor constrangimento. Os tempos lhe eram favoráveis naqueles meados de 2005. O Congresso investigava o mensalão e a compra de apoio parlamentar com dinheiro roubado dos cofres públicos, pelo governo Lula. O PT, o PMDB e o PP embolsavam propinas milionárias ao facilitar o fechamento de contratos superfaturados entre as empreiteiras e a Petrobras. Dona Armênia, portanto, era um troco no cenário de tenebrosas transações.
O lobby pela sua volta “à folha de pagamento” ilustra o nível de aparelhamento do Estado, a prática de tirar de um cargo alguém que conquistou a posição por mérito e entregar o posto ao apadrinhado de um parlamentar cujo voto interessa ao governo. Como fizeram com outros vícios resistentes do mundo oficial, os governos do PT transformaram o aparelhamento num mecanismo de manutenção do poder a qualquer custo.
Foram esses casos escandalosos de troca de favores que chamaram a atenção de Luiz Alberto dos Santos, funcionário de carreira que ocupava, naquele tempo, uma das subchefias da Casa Civil. A cada golpe desse tipo de que tomava conhecimento, Santos disparava mensagens de alerta para seus superiores – a então ministra Dilma Rousseff e seu braço-direito, a secretária executiva Erenice Guerra. Invariavelmente a resposta era um ensurdecedor silêncio. Em 24 de agosto de 2007, Santos detectou o começo do processo de destruição do corpo técnico do Ministério do Planejamento com a substituição de técnicos por “companheiros” do PT ou indicados por eles.
Luiz Alberto dos Santos advertiu enfaticamente em um e-mail endereçado a Erenice Guerra: “Está, literalmente, havendo um aparelhamento lá, e num órgão em que competência técnica e conhecimento da máquina são mais do que necessários. Não sei o que vai sobrar, e não quero nem ver. Se antes já estava difícil, daqui pra frente vai ser um espanto”. Silêncio total do outro lado.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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