A APP Sindicato já conseguiu mais do que as finanças do estado permitem e não há mais clima para prolongar a paralisação
Editorial, Gazeta do Povo
Diante de qualquer impasse, só é possível chegar a uma solução se as partes envolvidas possuem boa vontade em resolvê-lo e aceitam dialogar para encontrar a melhor saída para todos. Quando essa disposição positiva dá lugar a resistências desmedidas ou à mera teimosia, o que se vê é a criação de um monstro cada dia maior e mais difícil de ser exterminado. Algo similar acontece com a greve da rede estadual de ensino, cuja soma de dias sem aula aproxima-se de 70, e que assumiu proporções de uma guerra declarada entre governo estadual e o sindicato dos professores. O que ambos os lados parece não ter percebido é que, independentemente do resultado, não haverá vencedores e a grande vítima, mais uma vez, será a população paranaense.
A última proposta feita à APP Sindicato é pagar 3,45% (referente à inflação de maio a dezembro de 2014) em uma única parcela em outubro deste ano, repor a inflação medida pelo IPCA em janeiro dos anos de 2015, 2016 e 2017 e conceder 1% de aumento real em 2017 para compensar os meses não pagos em 2015. Os professores vão fazer uma assembleia na terça-feira (9) para decidir se aceitam a proposta ou se mantêm a greve. Além do reajuste de 8,17%, eles reivindicam que o governo não desconte os dias parados e retire os processos judiciais contra o sindicato. No dia 2 de junho, a Justiça negou o recurso da APP contra decisão anterior que tinha declarado a greve ilegal e estabeleceu multa diária ao sindicato de R$ 40 mil. Ainda assim, os professores não voltaram ao trabalho, alegando que a partir de 1989, com a aprovação da Lei 7.783, que dispõe sobre o direito de greve, “nenhuma greve pode ser considerada ilegal”, o que, obviamente, não é verdade. Há casos em que greves são, sim, abusivas, e podem ser questionadas legalmente.
Mesmo sendo compreensível o funcionalismo querer assegurar a reposição do índice de inflação, que foi de 8,17% nos últimos 12 meses, é preciso ter um pouco de razoabilidade e aceitar o óbvio. É notório que o governo estadual não dispõe de recursos suficientes para atender essa demanda. O problema de caixa, é preciso frisar, é decorrência de décadas de má gestão pública e não vai ser resolvido com algumas poucas medidas, como fez crer o governador Beto Richa em artigo publicado na Gazeta do Povo em 31 de maio, ao afirmar que o “momento mais duro do ajuste do Paraná está terminado”. Ainda há muito a ser feito para que as contas do estado encontrem um equilíbrio duradouro.
Só neste ano, calcula-se que o déficit nas contas estaduais seja maior que R$ 2,2 bilhões, e esse valor não inclui qualquer reajuste ao funcionalismo. Se fosse concedido o reajuste de 8,17%, esse déficit aumentaria para R$ 3,6 bilhões, e provavelmente faria o estado ultrapassar o limite prudencial de gastos com pessoal, que é de 46,55% da receita corrente líquida, como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Cabe lembrar que a LRF impõe várias restrições ao estado quando os gastos com pessoal superam o limite, como o impedimento de admitir servidores, conceder reajuste, criar novos cargos ou funções. Além disso, o governante fica sujeito às sanções previstas na Lei da Improbidade Administrativa e o estado é impedido de receber transferências por convênio e contratar operações de crédito, como empréstimos. Por isso, mesmo a proposta inicial do governo, de conceder 5% de aumento aos servidores – que causaria uma despesa extra de R$ 550 milhões anuais –, já poderia ser considerada temerária.
Em artigo publicado na Gazeta do Povo em 28 de maio, o presidente do Núcleo Sindical da APP Curitiba Norte, Boanerges Zulmires Elias Neto, escreveu que os professores não podem “pagar por uma crise política, ética e financeira criada pelo próprio governo”. Na verdade, quem vai pagar – e já está pagando – é a população paranaense. Com quase 70 dias sem aula somando os dois períodos de paralisação dos professores, o ano letivo já foi seriamente comprometido. Por mais que todas as aulas perdidas sejam repostas – o que fará o calendário escolar de 2015 avançar até 2016 –, os estudantes das escolas públicas paranaenses não conseguirão recuperar os conteúdos antes da prova do Enem 2015, marcada para outubro. Em comparação com alunos de escolas públicas de estados sem greve ou de escolas privadas, estarão em desvantagem.
E não serão apenas os estudantes que pagarão a conta. Na verdade, cada paranaense, incluindo grevistas e integrantes do Executivo, arcarão com as consequências. O agravamento do déficit e as possíveis restrições da LRF caso se ultrapasse o limite de gastos com pessoal tornarão a administração do estado ainda mais problemática. O comprometimento das finanças também poderá levar ao estrangulamento de investimentos em obras e programas para alavancar o desenvolvimento paranaense. Poderemos viver décadas de imobilidade e estagnação.
Não há mais clima para prolongar a greve. A APP Sindicato já conseguiu mais do que as finanças do estado permitem, os paranaenses terão uma longa conta a pagar e a governabilidade do estado já foi seriamente comprometida. É hora de encerrar a paralisação e retomar as aulas.
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