Gilmar Mendes Lourenço
As manifestações realizadas por centenas de milhares de pessoas em várias cidades brasileiras, de maneira festiva, ordeira e pacífica, no domingo de 15 de março de 2015, data comemorativa do aniversário de trinta anos da reconquista do direito de reconstrução da democracia, contra a administração de Dilma Rousseff, a corrupção e o Partido dos Trabalhadores (PT), podem ser comparadas, em mobilização e dimensão, com aquelas acontecidas em favor das eleições diretas para presidente da República, em 1983, o fora Collor, de 1992, e as passeatas de junho de 2013.
No entanto, ao contrário daquelas ocasiões, desta feita, o evento, na fronteira da tecnologia da informação, organizado por intermédio de iniciativas das mídias sociais, não contou com a presença e participação da classe política, expressa em partidos e entidades de defesa de segmentos, abrangentes ou específicos, da sociedade, que, em sua maioria, financiados por diferentes bancas, agem, em algumas situações de arregimentação de grandes massas, de forma extremamente oportunista, ofuscando e pulverizando os propósitos das ações coletivas.
Na realidade, o episódio de repúdio ao executivo federal representa o ápice de um estágio de rápida e surpreendente deterioração da credibilidade das instituições representativas da população da nação, em um cenário de pronunciado aprofundamento das demandas por maior participação do tecido social, no debate de questões que envolvam os anseios e interesses de todos.
O eco das multidões vem demonstrando que o Brasil carece de lideranças firmes e preparadas para o diálogo. Por isso sente tanto a falta de pessoas menos fisiológicas e não oportunistas como Tancredo Neves, Teotônio Vilela, Ulisses
Guimarães, no campo do legislativo, e Paulo Evaristo Arns, Luciano Mendes de Almeida, entre outros, no plano da captura da perspectiva social, capitaneada pela Igreja, por exemplo.
Mas o que interessa ter presente é que em menos de três meses do começo do segundo mandato, a gestão Dilma, acomodada com a vitória apertada nas eleições de 2014, encontra-se, perigosamente, com a popularidade no chão, e desprovida de maioria no Congresso Nacional. Fosse aqui um regime parlamentarista, líder, e respectivo ministério, estariam destituídos.
Nessa perspectiva, o mais complicado é que a mandatária está rigorosamente sem capacidade de comunicação com o povo ou de encaminhamento de respostas aos recados das praças, na tentativa de ao menos abrandar a leitura de ausência de sensibilidade a alguns princípios basilares da democracia, expressos no descaso aos pontos de vistas diferentes. Tanto é assim que designou dois auxiliares diretos, os ministros José Eduardo Cardoso, da Justiça, e Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da Presidência, para informar, aos meios de comunicação, a avaliação, a postura e as atitudes do governo diante das enormes manifestações ocorridas.
Neste caso, além do reconhecimento da natureza legítima dos protestos, prevaleceu a arrogante interpretação de que se trata de ações encenadas “majoritariamente por quem não votou em Dilma” e o enfadonho diagnóstico centrado no caráter passageiro da instabilidade, fruto, desde sempre, da crise internacional. Porém, os fundamentos continuam sólidos, fincados por forças políticas que combatem a corrupção como “nunca antes na história desde País”. Só faltou acrescentar: o Brasil começou em janeiro de 2003. Foram reiteradas também as correções na macroeconomia, retratando, aliás, flagrante contradição com as propostas esboçadas em 2014, legitimando as interpretações de estelionato eleitoral.
Em um ambiente de perigoso estreitamento das margens de manobra do governo e de ausência de condições legais para a instauração de um impeachment da presidente, apesar de constitucional, afigura-se urgente a recomposição dos canais de contato com a sociedade, mediante o emprego de formas e conteúdos diferentes do padrão inadequado e obsoleto praticado nos últimos anos. Do contrário, a renúncia, mesmo não sendo algo corriqueiro, seria recomendável e factível diante de circunstâncias de ingovernabilidade. Até porque, nos brados de 15 de março de 2015 não houve espaço para golpismo.
Gilmar Mendes Lourenço, economista, professor e editor da Revista Vitrine da Conjuntura da FAE.
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