Estudo: ao cruzar dados da Pnad com os do Fisco, pesquisadores constatam que desigualdade não caiu (Wilson Dias/ABr/VEJA)
de Ana Clara Costa, na Veja.com
Um estudo publicado há poucos dias num site de pesquisa científica deve acirrar o debate em torno do tema desigualdade.
Intitulado A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006 a 2012, o documento aponta que não só a desigualdade se manteve estável nos últimos anos, como também é mais alta do que aponta a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad), apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os pesquisadores relacionaram os dados sobre a renda domiciliar da Pnad e números obtidos da declaração do Imposto de Renda de pessoas físicas.
A constatação é de que o abismo entre ricos e pobres não foi reduzido nesse intervalo, ao contrário do que mostra a Pnad.
Outro ponto importante mostrado pelos estudiosos é que o coeficiente de Gini, índice usado mundialmente para medir a concentração de renda, é muito maior quando se associam as duas variáveis (renda domiciliar e renda declarada ao Fisco), do que quando leva em conta apenas os números apurados pelos recenseadores do IBGE.
O indicador varia de zero, que é a igualdade perfeita, até um — o grau máximo de desigualdade. Pelo novo estudo, o índice nos anos de 2006, 2009 e 2012 são, respectivamente, 0,696, 0,698 e 0,690.
Já a Pnad aponta que, nesses mesmos anos, o Gini ficou em 0,539, 0,516 e 0,498.
“Ao que tudo indica, as Pnad subestimam as rendas mais altas e, por isso, não monitoram completamente o comportamento da desigualdade total”, informam os acadêmicos da Universidade de Brasília (UnB) Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fabio Castro.
Medeiros e Souza também são pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Segundo o levantamento, as pesquisas domiciliares indicam uma queda persistente da desigualdade de 2006 a 2011, que só foi interrompida em 2012.
Mas, ao ajustarem à pesquisa as rendas dos brasileiros mais ricos a partir de dados tributários, e não aqueles levantados por recenseadores, a queda na desigualdade deixa de existir.
“Houve crescimento da renda, mas, se o Brasil cresceu para todos, os ricos se apropriaram da maior parte desse crescimento”, diz a pesquisa.
Os dados tributários são usados pelo pesquisador francês Thomas Piketty para compor seu estudo sobre desigualdade. Seu banco de dados deu origem ao livro O Capital no Século XXI, que será lançado no Brasil em novembro, pela editora Instrínseca.
Piketty não citou o Brasil em sua publicação porque o governo brasileiro não respondeu aos seus pedidos por dados tributários.
A Pnad é considerada uma fotografia incompleta da desigualdade porque as informações sobre a renda são fornecidas pela própria população aos recenseadores.
Isso significa que os próprios cidadãos podem subestimar ou superestimar seus ganhos. Os dados do Imposto de Renda são mais precisos porque, além de serem oficiais, mostram posse de bens e rendimentos isentos ou não tributáveis, como doações, investimentos em poupança e outras aplicações cuja tributação ocorre direto na fonte.
O levantamento seria mais completo ainda se usasse dados da declaração de renda de pessoa jurídica, já que muitos brasileiros — sobretudo os mais ricos — declaram seus rendimentos como tal, e não como pessoa física.
Os três autores produziram, anteriormente, um estudo levando em conta apenas os dados das declarações de imposto de renda, sem a Pnad.
Na última semana, o site de VEJA teve acesso ao material, que mostra que a concentração de renda aumentou no país entre 2006 e 2012. Segundo o levantamento, encomendado pelo Ipea, os 5% mais ricos do país detinham, em 2012, 44% da renda.
Em 2006, esse porcentual era de 40%. Os brasileiros que fazem parte da seleta parcela do 1% mais rico também viram sua fatia aumentar: passou de 22,5% da renda em 2006 para 25% em 2012.
O mesmo ocorreu para o porcentual de 0,1% da população mais rica, que se apropriava de 9% da renda total do país em 2006 e, em 2012, de 11%.
A Pnad de 2013 foi publicada no último dia 18, mostrando que a diferença de renda entre pobres e ricos se mantem alta.
No dia seguinte, o IBGE convocou entrevista coletiva para anunciar que o levantamento continha “erro grave”.
Depois de apontadas as correções, o indicador de desigualdade melhorou, mas a mudança não foi suficiente para reverter a tendência de congelamento.
O IBGE saiu do episódio com a imagem arranhada.
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