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A Copa que perdemos

A Copa que perdemos

Roberto Pereira D’Araujo

Embalados pelo sonho de mais um título de futebol, talvez seja impróprio tratar de um assunto em que o Brasil está sendo derrotado: o seu setor elétrico. Mas, como será possível notar quando o futebol sair das manchetes, o consumidor irá pressentir na sua majorada conta de luz que, nessa área, estamos levando de goleada.

No passado tínhamos uma das melhores posições entre os países que conseguem oferecer energia a um preço baixo. Em 1995, o Brasil tinha uma tarifa comparável à do Canadá e da Noruega, países campeões nesse setor. De lá até 2012, a nossa tarifa média residencial subiu 74% em termos reais. Hoje pagamos mais que o dobro de um canadense. A tarifa industrial subiu 108%! O ano de 2012 é essencial para entender o que já vinha ocorrendo, quando, sob uma política inadequada, acabamos na situação atual. Entre aumentos de tarifas e aportes do tesouro (leia-se contribuintes), o rombo já se aproxima de R$ 60 bilhões.

O Brasil se diferencia da maioria dos sistemas pela sua capacidade de armazenar energia. Nos reservatórios construídos nas décadas de 70 e 80, o Brasil era capaz de guardar o equivalente a dois anos de consumo. A demanda cresceu e não há como fazer com que essa reserva siga o crescimento da carga. Hoje, conseguimos guardar apenas quatro meses. Não é necessário ser um especialista para entender que reservatórios podem se esvaziar porque os rios diminuem sua vazão, mas também porque a reserva é usada além da conta.

Se a reserva cai em relação à carga, é preciso agir com mais cautela, não deixando que os reservatórios atinjam níveis baixos porque, agora, a “velocidade” de esvaziamento é maior. Só há um jeito de fazer com que se evite essa queda brusca: construir mais usinas que gerem energia. De 2002 até setembro de 2012, as usinas térmicas contratadas nos leilões vinham atendendo apenas 9% da carga. De repente, a partir de outubro, mais que dobram sua produção, continuam assim até hoje e preparam uma inédita e salgada conta.

Em setembro de 2012 ocorria o anúncio da lei, que, intervindo nos preços cobrados pelas usinas da Eletrobras, proporcionaram uma redução de 20%, que agora praticamente se esvai. Seria uma mera coincidência? Como já tínhamos tarifas caras (não vamos esquecer os impostos), aguardou-se o anúncio da redução para poder usar as caras térmicas?

Os dados hidrológicos, apesar de abaixo da média, não justificam o alarde de tragédia ambiental que permeou o discurso oficial. Se a reserva não acompanhava a demanda, precisávamos ou paulatinamente ir complementado com outras fontes ou, no mínimo, promover uma política de eficiência energética que recuperasse os muitos kWh perdidos. Nada disso foi feito.

Hoje, o placar é totalmente desfavorável. Além de uma despesa extra que equivale a quatro usinas como as do Rio Madeira, o tombo financeiro da Eletrobras mostra que nem com usinas vendendo energia por inéditos R$ 10/MWh conseguimos reverter esse jogo. Investidores estão arredios, vendo as regras mudarem a todo momento, podendo inclusive se ver como a Eletrobras no futuro.

Ou se examina todo o sistema ou estaremos fora dessa copa.

Roberto Pereira D’Araujo, especialista do Instituto Millenium, é diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina).