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Fruet acaba com projeto cultural de sucesso em Curitiba

Fruet acaba com projeto cultural de sucesso em Curitiba

Um problema político pôs fim a uma das inciativas culturais de maior longevidade em Curitiba. Por mais de 17 anos, cursos de arte e música funcionaram nas salas do primeiro andar da Funda Cultural de Curitiba da Rua da Codadania no Boa Vista até serem extintos sem aviso prévio em dezembro passado pelo prefeito Gustavo Fruet Fruet (PDT). O projeto “modelo e referência da cidade” foi desativo porque era de iniciativa de outros prefeitos. Confira a matéria na íntegra de Cristiano Castilho na Gazeta do Povo deste domingo, 18.

Boa Vista em apuros

Sem aviso e explicações por parte da Fundação Cultural de Curitiba, projeto que ensinou música e arte a mais de mil alunos é encerrado após 17 anos

Luana da Costa Custódio tinha seis anos quando ganhou um violão. Sua mãe, Gisela, não sabia muito bem como lidar com a situação: a vontade crescente da filha em aprender o instrumento somava-se à falta de tempo e de dinheiro para inscrevê-la num curso de música. Golpe de sorte: a madrinha de Luana ficou sabendo das aulas oferecidas no espaço que a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) mantinha na Rua da Cidadania do Boa Vista – teclado, violino, bateria, teatro, violão… “Tem, é barato e bem bacana”, ouviram as duas, entusiasmadas. A família Custódio mora na Estrada de Santa Cândida, nas barbas de Colombo. Até a salinha do professor Luiz Carlos Tomaz Ferreira, então, era “rapidinho”, como lembra Luana, hoje com dez anos. Mas, por motivos que ela ainda não entende, teve de se despedir das aulas que frequentou de 2010 a 2013. A garota não pega mais no instrumento, mesmo que, na conversa com a reportagem, tenha tocado com certa desenvoltura “Falando Sério”, música de Luan Santana.

Por 17 anos, cursos de arte e música funcionaram nas salas do primeiro andar daquele espaço. Luiz Carlos, um dos professores voluntários que iniciou o projeto, calcula que, nesse tempo, pelo menos 1,2 mil alunos passaram por suas aulas. Duzentos e quarenta se inscreveram em 2013. Sua maratona de aulas ia das 8 às 20 horas, às quartas-feiras, quintas, sextas e sábados. Sucesso absoluto: a lista de espera tinha quase 300 nomes. A Rua da Cidadania fervia, repleta de crianças como Luana, adolescentes e adultos, que, em 2013, pagavam R$ 45 por mês pelas atividades.

De acordo com Luiz, 10% deste valor era repassado à FCC, que fornecia o espaço, em um contrato renovado de seis em seis meses. Tudo ia bem até dezembro do ano passado, quando o projeto foi encerrado sem mais nem menos. “Simplesmente disseram que ia acabar. Os pais não ficaram sabendo e a culpa recaiu sobre nós”, diz Luiz, professor de música há 30 anos. “Aquilo era modelo, referência para a cidade”, lamenta.

As salas em que as aulas aconteciam estão trancadas e viraram depósito. Há duas semanas, a reportagem da Gazeta do Povo foi ao local e constatou que, no lugar de instrumentos, professores e alunos, há caixas, cadeiras empilhadas e mesas inutilizadas. Luiz Carlos também comenta sobre o possível motivo político por trás da ação. “Várias pessoas foram deslocadas, e minha antiga chefe foi substituída por uma pessoa que trabalhou na campanha eleitoral de 2012”, afirma.

Sem batuque

Alvaro Neves Junior foi professor de bateria na Regional Boa Vista por uma década. “As salas não tinham alvará para produção sonora, mas funcionou assim por quase 20 anos e nunca houve problemas”, conta, sugerindo que, se a questão era burocrática, haveria formas menos drásticas para resolvê-la. Aulas também aconteciam aos domingos à tarde, o que ajudava na movimentação daquele espaço, geralmente ocioso aos fins de semana.

De acordo com o músico, pais e alunos seriam avisados sobre o fim do projeto, que ganharia uma continuação. “A FCC disse que uma nova ideia seria desenvolvida. Isso não foi feito. E os alunos ficaram sabendo do fim de tudo por nós”, diz Alvaro, que se sente “culpado”. “Foi tudo muito repentino e sem consideração.”

Uma funcionária da FCC que não quis se identificar afirma que os cursos acabaram porque as salas foram destinadas para outras atividades – apesar de estarem momentaneamente às moscas. “Cada gestão tem uma forma de pensar, de agir. Mas, nos últimos 17 anos, esse projeto aproximou a comunidade, desenvolveu talentos e promoveu atividades culturais. Foi muito triste ver que acabou sem nenhuma consulta ou conversa”, diz a funcionária, que trabalha na área cultural há mais de 15 anos.

No fim de cada semestre, os alunos faziam apresentações públicas. Pais, tios, avós e até vizinhos se enchiam de orgulho. Era uma das alegrias de Luana. “Não quero fazer aula em outro lugar porque o Luiz Carlos me mostra exatamente onde preciso colocar os dedos no violão. Fiquei triste porque parei de tocar e nunca mais falei com ele.”

Situação cria jogo de empurra entre responsáveis

O silêncio recente da Rua da Cidadania do Boa Vista embaralha até mesmo as ideias de quem é responsável por administrá-la. Marcos Cordiolli, presidente da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), órgão responsável pelo espaço dentro da Rua da Cidadania, diz que a suspensão dos cursos ofertados foi necessária porque, a pedido da administração da regional, houve um “rearranjo” das atividades e das salas utilizadas. “A FCC perdeu esses espaços depois dessa remodelação. Tivemos que suspender as atividades, mas estamos buscando outras alternativas”, disse Cordiolli. Uma das opções é a transferência dos cursos para a “Vilinha”, espaço da Rua da Cidadania do Bairro Alto, há 6,5 quilômetros de distância. “Posso afirmar que no início do próximo semestre vamos estar com essa situação regularizada”, prometeu.

Cordiolli também afirmou que a falta de um comunicado oficial sobre o encerramento das atividades foi devido à “forma imediata” como os cursos foram suspensos. “Não deu tempo de falar com os alunos. Mas nesta semana [semana passada] devemos fazer o contato explicando a situação”, disse.

José Ribeiro, administrador da Regional Boa Vista, por sua vez, disse que não pediu o espaço à FCC. “Se dependesse só de mim, os cursos estariam funcionando ainda. Eu não pedi as salas e, se elas viraram depósito, a responsabilidade é deles [FCC]”, disse.

Para Ribeiro, os cursos aconteciam em um lugar inadequado, já que “o barulho das aulas incomodava cidadãos comuns.” “Mas não era preciso acabar com tudo”, pondera.

Dói no bolso

A professora Fernanda Maschio lembra: a regional do Boa Vista parecia um formigueiro. Aluna de violão por um ano, ela sente falta dos encontros com estudantes de outros instrumentos. E também dos saraus que aconteciam nos domingos à tarde, quando os professores davam aulas extras, sem cobrar nada. “Era tudo de bom”, resume. O fim veio aos poucos, e sem aviso. “Acabaram as apresentações de meio de ano. Os violões foram sumindo. Cortaram tudo”, diz. Fernanda pagava R$ 45 por mês pelas aulas. Atualmente, estuda com um professor particular a R$ 195.

Do zero ao rei

Silvana Moraes entrou no curso de violão em 2011 “sem saber nada”. O espaço da FCC no Boa Vista era uma mão na roda, já que a secretária trabalha em um escritório ali pertinho. Dois anos depois, já podia se gabar: tocava “Como É Grande o Meu Amor por Você”. Hoje, entristece quando se lembra da situação mal resolvida. “Mandei e-mail perguntando sobre a continuação dos cursos e ninguém retornou. Aí entrei em contato pessoalmente e eles só disseram que tinham acabado.”

Para todos

Emaniel Kustel tem 32 anos, mas a cabeça de um adolescente. Não porque seja brincalhão demais – ele até é –, mas porque um problema neurológico atrapalha seu desenvolvimento. Com as aulas de música, Leori de Jesus Justel, sua tia, notou avanços. Ao menos as convulsões eram menos frequentes. “Merecíamos uma satisfação. Não foram cinco meses de aulas para o Emanuel, foram cinco anos”, brada. A família, que mora em Campina Grande do Sul, percorria mais de 20 quilômetros até o Boa Vista, toda semana. “Por ele, valia a pena”, diz Leori.