Por Ivo Pugnaloni, Carta Brasil
Que o Brasil tem o maior potencial hidroelétrico aproveitável do mundo, isso já sabemos todos. Mas por que não podemos aproveitá-lo? Por que gastamos 23 bilhões de reais durante 2013 com termoelétricas movidas a petróleo e mesmo assim, sofremos apagões? As dúvidas da população sobre o setor elétrico são muitas. E há muitas outras, também sem resposta.
Será que a culpa é dos índios, dos órgãos ambientais e das ONGs? Será verdade que é só na Amazônia que existem novos potenciais hidráulicos, como afirmam algumas autoridades?
Por que razão, tal como nos anos 1970, apenas “mega-hidrelétricas”, de grande impacto ambiental, na Amazônia, são leiloadas pelo governo? Por que elas não podem ter reservatórios? Qual é a norma que prevê essa proibição? Baseada em qual estudo foi ditada?
Por que não se publicam dados sobre o potencial hidroenergético brasileiro? Por que não discutimos a questão energética com a população, inclusive com os índios? Será impossível usar de forma sustentável mais de 160 gigawatts remanescentes, que é 2,6 vezes maior do que os 61 gigawatts em operação? Por que os 40% deste total, que estão fora da Amazônia, nunca são leiloados pela ANEEL/EPE? Quem escolhe por onde começar essa análise de projetos feita pela ANEEL? A própria ANEEL ou algum órgão ou autoridade? Existe alguma ordem de preferencia? Por que, até agora, só ficam prontos para leilão apenas projetos na Amazônia?
Por que o governo federal, que desde 1941 já realizou mais de 140 conferencias nacionais sobre saúde, educação e meio Ambiente nunca realizou uma Confêrencia Nacional de Energia? Por que o governo não nomeia os dois conselheiros que representam a sociedade no Conselho de Monitoramento do Setor Elétrico, criado em 2004, como manda a lei?
Buscando algumas respostas, em 25 de abril de 2013, a Associação Brasileira de Fomento às Pequenas Centrais Hidroelétricas (ABRAPCH) protocolou na ANEEL um relatório denunciando o atraso daquela agência na análise dos projetos de 640 pequenas hidrelétricas, conhecidas como PCHs, 95% deles situados fora da Amazônia.
O relatório apontou que, em vez “problemas ambientais”, na verdade são as exigências ilegais, impostas pela própria ANEEL, as verdadeiras causas desse atraso injustificado, como concluiu a procuradoria federal do órgão, em vários processos.
Juntas, apesar de pequenas, as PCHs teriam aportado mais de 7.000 MW (meia Itaipu) e já estariam prontas há seis anos e seriam construídas não na Amazônia, onde o licenciamento ambiental é muito difícil, mas no sudeste e no centro/sul, junto aos centros de carga, dispensando grandes linhas de transmissão.
Nos horários de “pico”, as PCHs têm a grande vantagem de entregar ao sistema a energia que acumularam durante o dia em seus pequenos reservatórios, aliviando a carga das linhas de transmissão de longa distância. Isso diminui o risco de problemas no percurso derrubarem o “castelo-de-cartas” que se tornou a rede elétrica do sudeste, estressada pelo crescimento da carga sem investimentos suficientes em geração de fonte hídrica na região.
Ambientalmente falando, as PCHs têm alagamento médio menor do que 15 campos de futebol e regularizam os rios, recompõe a vegetação das margens em suas áreas de preservação permanente, diminuindo a erosão, ajudando a evitar enchentes.
Sem qualquer resposta, um ano depois de nossa denúncia, protocolamos na ANEEL, na semana passada, outro relatório. Desta vez, anexamos um pedido para a formação de uma comissão de sindicância, para apurar os fatos e as responsabilidades.
Mostramos, com indicadores gerenciais da própria ANEEL, que há uma crescente na já baixíssima produção do órgão na aprovação não apenas de projetos de hidrelétricas grandes e pequenas, mas dos inventários de novos potenciais.
Segundo os números, a agência aprova menos de 35 projetos de pequenas usinas por ano, com uma média de 268 MW. Nessa velocidade, para aprovar os projetos atuais, a agência gastaria 22 anos.
O relatório mostra que, devido aos derivados importados para as térmicas, o saldo da balança comercial caiu de 19 bilhões de dólares em 2012 para 5,4 bilhões em 2013, no sentido contrário aos esforços para superar crise econômica.
Mostramos também que se considerarmos o país como um todo existe realmente uma “folga” na geração. Mas a situação é muito instável na região sudeste/centro-oeste, devido ao seu déficit energético que hoje é de 2100 MW, mas que vai chegar a 6.700 MW em 2018, quase meia Itaipu.
Foram simulados no trabalho mais de 10 mil cenários para todas as falhas simultâneas e possíveis no nosso sistema, considerando características físicas e elétricas o tempo de vida de cada uma das linhas de transmissão.
O resultado é assustador e prevê que em 2018, se nada continuar a ser feito no sudeste em termos de geração hidrelétrica remanescente, enfrentaremos 14,67 dias com eventos de perda severa de grandes cargas no Sistema Interligado Nacional. E que, ainda em 2014, devamos sofrer ainda 2,83 apagões além do que ocorreu no dia 5 de fevereiro.
É preciso que a sociedade conheça mais sobre esses assuntos e ajude a abrir mais essa “caixa-preta”. Acessar nossos relatórios, escritos em linguagem bem acessível, pode ser uma boa alternativa individual. Mas difundir a necessidade de uma Conferência Nacional de Energia assinando nossa petição “on-line” é uma atitude bastante coerente. Para ajudar, visite a www.abrapch.org.br e conheça mais sobre o setor elétrico brasileiro e suas estranhas perguntas sem resposta. O resultado é sempre um só: gastar mais derivados de petróleo importados, caros e poluentes.
Ivo Pugnaloni é engenheiro eletricista, presidente da Associação Brasileira de Fomento às Pequenas Centrais Hidrelétricas e do Grupo Enercons
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