“A nota do PT em apoio a Nicolás Maduro distorce os fatos e revela um entendimento perigoso do que seja a democracia” – do editorial da Gazeta do Povo deste domingo, 23. A seguir leia a sua íntegra.
Flerte com o totalitarismo
Editorial/Gazeta do Povo
A situação na Venezuela se agrava, com a confirmação de novas mortes de manifestantes (como a da estudante e miss Génesis Carmona) e a prisão de líderes oposicionistas. O ditador Nicolás Maduro endurece a repressão contra as grandes manifestações populares que pedem sua saída e, por piores que sejam suas atitudes, ele ainda tem defensores entusiasmados, inclusive no Brasil. É o caso do PT, que emitiu no dia 18 uma nota de apoio ao governo bolivariano.
A nota, assinada pelo presidente da legenda, Rui Falcão (cujas inclinações totalitárias já foram colocadas em evidência neste mesmo espaço), e pela secretária de Relações Internacionais do partido, Mônica Valente, só acerta em três pontos: ao tratar os acontecimentos na Venezuela como “graves”, ao mencionar “ações criminosas de grupos violentos como instrumento de luta política” e ao afirmar que houve mortes. De resto, o texto distorce não apenas os recentes episódios no país vizinho como também o próprio conceito de democracia, e por isso merece repúdio.
Segundo o petismo, a Venezuela é uma democracia porque existiria uma “ordem democrática legitimamente constituída pelo voto popular”, para usar as palavras de outra nota igualmente repugnante, a emitida pelo Mercosul no domingo passado. Deixando de lado o fato de as denúncias de fraude na última eleição venezuelana nunca terem sido completamente afastadas, é evidente que mesmo ditaduras realizam eleições. A Cuba dos Castro faz eleições parlamentares; o Iraque de Saddam Hussein organizou eleições vencidas pelo ditador com 100% dos votos; até o Brasil dos militares, embora não tivesse eleições diretas para a Presidência, realizou pleitos em 1965, 1970, 1974, 1978 e 1982. Se ninguém nega que o Brasil vivia uma ditadura, por que agora dizer que a Venezuela é democrática simplesmente por organizar processos eleitorais?
O problema venezuelano é outro: é a inexistência da separação dos poderes, com um Legislativo e um Judiciário completamente subordinados ao Executivo (isso permitiu, por exemplo, que a Justiça e o Congresso venezuelanos rasgassem a Constituição para empossar, em janeiro de 2013, um moribundo Hugo Chávez enquanto este se encontrava em Cuba); é a formação de milícias paramilitares bolivarianas, justamente aquelas que vêm sendo acusadas de disparar contra os cidadãos que protestam nas ruas (as “ações criminosas de grupos violentos” provêm dessas milícias, e não dos manifestantes); são as prisões arbitrárias de oposicionistas como Leopoldo López; é o desrespeito à propriedade privada que se reflete em desapropriações e confiscos; em resumo, é a completa implosão das instituições e das garantias que caracterizam uma verdadeira democracia.
E não podia faltar, em se tratando do PT e de Rui Falcão, um ataque à imprensa livre, já que a nota menciona “ações midiáticas que ameaçam a democracia”. Mas quem ameaça a democracia é justamente o governo bolivariano, que, já há muitos anos, vem agindo para amordaçar a imprensa livre, desde a não renovação da concessão de canais de televisão, até os acontecimentos mais recentes, como a imposição de dificuldades para a compra de papel jornal e, depois que as manifestações começaram, a censura pura e simples, com canais noticiosos estrangeiros tendo seu sinal cortado dentro da Venezuela. A imprensa subserviente, como bem sabemos, é um sonho antigo do PT, e entre os principais defensores do eufemisticamente chamado “controle social da mídia” estão o próprio Falcão e o ex-ministro das Comunicações Franklin Martins.
É muito preocupante que o partido que atualmente detém o poder no Brasil manifeste esse flerte explícito com o totalitarismo bolivariano (assim como com a ditadura cubana). Lembremos que, além de insistir no policiamento dos meios de comunicação, o PT já tentou destruir a independência entre os poderes por meio do mensalão, e dá repetidas mostras de desprezo pelo Supremo Tribunal Federal (a mais recente delas foi o punho erguido do paranaense André Vargas diante do presidente do STF, Joaquim Barbosa, na abertura dos trabalhos parlamentares de 2014). O fato de a cúpula do partido acalentar o sonho de trazer para o Brasil o modelo bolivariano que tanto apoia deve enviar um sinal de alerta não apenas para a sociedade em geral, mas especialmente para os petistas de índole genuinamente democrática. Que eles tenham a força necessária para tirar o partido do rumo antidemocrático que parece trilhar.
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