É muito oportuna a reunião nesta semana entre os governadores e os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara Federal, Henrique Eduardo Alves, para que se tenha um amplo entendimento nacional e dele resulte o inadiável e novo pacto federativo. A relação republicana entre estados e municípios e o governo federal, princípio elementar da boa convivência democrática e base da administração pública eficiente, vem se deteriorando a passos largos.
A concentração dos recursos arrecadados no cofre federal e a cobrança de juros extorsivos das dívidas estaduais e municipais transformaram, ao longo dos anos, governadores e prefeitos em pedintes e dependentes da boa vontade de Brasília. E a União assume o papel de agiota, que manipula as remessas estaduais e municipais a seu bel-prazer e a favor de seus interesses.
Governadores e prefeitos de todo o Brasil vivem essa realidade que deturpa uma conquista fundamental da sociedade brasileira, o chamado pacto federativo. Quando o governo federal concentra tamanho poder sobre a arrecadação – riqueza produzida pela população brasileira –, inviabiliza o planejamento público nos outros entes da federação e faz cortesia com o chapéu alheio: promove renúncia fiscal para incentivar o setor produtivo com tributos como o IPI, por exemplo, e completa a esperteza ao criar contribuições sociais em vez de impostos, porque assim está dispensado de compartilhar a arrecadação. Os estados e municípios são prejudicados duas vezes, inclusive pela perda de autonomia.
Esse conjunto tem efeito dominó. Hoje, a União concentra 70% da receita nacional. Diante de concentração tão evidente, como governar, ter ações eficientes, otimizar recursos, promover o desenvolvimento e o bem-estar dos cidadãos brasileiros sem a devida e justa contrapartida ao seu trabalho?
As despesas do estado e dos municípios com programas, ações e serviços que são da competência da União consomem uma razoável fatia das suas receitas. As ações e responsabilidades são cada vez maiores, enquanto os repasses federais encolhem. Exemplo disso: há dez anos, 70% da prestação dos serviços básicos de saúde tinham investimentos da União. A situação se inverteu e cabe aos municípios e ao estado bancar essa conta. Hoje, o governo federal só se responsabiliza por 30% dos investimentos em saúde pública. Chegamos a essa situação depois de ver que, na regulamentação da Emenda 29, que prevê investimentos mínimos de 12% e 15% em saúde para estados e municípios, o governo federal vetou o artigo que previa investimento mínimo de 10% das receitas por parte da União.
Neste ano, o Paraná bateu novamente recordes de produção agrícola. Mas a grande contribuição desse vigoroso setor ao PIB nacional, infelizmente, não faz o Paraná credor de estradas federais que melhorem as condições de escoamento da safra.
Lembro outra situação sobre nosso estado: os R$ 9 bilhões que o Paraná deve à União diminuem, de cara, 15% da capacidade de endividamento do estado e se refletem também na Lei de Responsabilidade Fiscal. O Paraná devia R$ 5 bilhões. Já pagou R$ 10 bilhões e continua devendo outros R$ 9 bilhões. Os estados brasileiros deviam, em 2010, R$ 430 bilhões de uma dívida original que, em 1998, era de R$ 94 bilhões. Os estados já pagaram R$ 170 bilhões dessa dívida, quase 100% do valor original, mas ainda devemos R$ 430 bilhões. Isso significa que os estados têm comprometido de 11% a 15% de sua renda, com a agravante de que cada contrato é diferente.
Quando da realização dos contratos, foi usado como índice de referência o IGP-DI. No período de 1998 a 2010, o IGP-DI, mais 6% ao ano, teve um soma de 471% de juros. Se o indexador fosse a Selic, no mesmo período, teríamos 273% e, se usássemos a taxa da caderneta de poupança, não passaríamos de 170%. Ou seja, a União tem se comportado como um verdadeiro agiota dos estados.
As dificuldades são gerais, tanto para estados como para municípios. Junto com governadores e as respectivas bancadas federais, estamos na busca de caminhos para recuperar nossa autonomia. A mudança de critérios dos Fundos de Participação dos Estados e Municípios é um deles. Influir na legislação de interesses dos estados é outro caminho. Mas nada disso será viável se a própria União não se convencer de que é preciso trocar o papel de agiota pela função republicana, que é seu dever constitucional.
Beto Richa é governador do Paraná.
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