Por Rogério Waldrigues Galindo, na Gazeta do Povo:
Há 50 anos, um ato inusitado de Jânio Quadros espantava o país – e dava mais um golpe na já instável democracia brasileira. Em 25 de agosto, sem maiores explicações, o presidente, que havia tomado posse apenas sete meses antes, renunciou ao cargo.
Jânio afirmou que “forças terríveis” o levaram ao gesto drástico, mas se recusou a dizer que forças eram essas. Cinco décadas depois, a renúncia continua sendo alvo de teorias de historiadores.
O que parece fora de contestação é que o ato encerrou um dos governos mais atrapalhados da República brasileira.
Ao chegar à Presidência, em 1961, Jânio já era uma figura folclórica. Na carreira meteórica, que o levou de vereador a presidente em apenas 12 anos, ele já havia criado mitos suficientes sobre si mesmo: a fala rebuscada; a caspa deixada propositadamente no paletó para se assemelhar a um “homem comum”; o temperamento forte; o populismo levado ao extremo – Jânio pouco lembrava a figura “presidencial” de Getúlio Vargas ou Juscelino Kubitschek.
“Jânio era imbatível como candidato. Era bom de ganhar votos. Mas não era um homem preparado para governar”, diz o professor de Ciência Política Carlos Luiz Strapazzon. “Ele pode ser apontado como o primeiro político midiático do país. O símbolo da vassourinha, para varrer a corrupção de JK, usado na campanha é só uma parte disso”, afirma.
Entre as teorias que podem explicar a decisão inusitada da renúncia sempre aparece o possível conflito entre o presidente, pouco dado a negociações, e o Congresso. “Mas é preciso dizer que ele tinha maioria no Congresso, não havia nenhuma hostilidade em relação a ele”, diz o professor de Ciência Política Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB). “O fato é que o Jânio não tinha a serenidade que o cargo exigia e, ainda por cima, governou em um período turbulento”, afirma.
A turbulência havia começado com o suicídio de Vargas, em 1954. Passou por uma tentativa de golpe de Estado em 1955 e se aprofundaria ainda mais com a renúncia de Jânio. Há quem diga que esse novo golpe na jovem democracia brasileira, iniciada em 1946, tenha sido decisivo para o golpe de 1964 – os militares e a direita da UDN, o partido mais conservador da época, não deixariam o vice, João Goulart, governar por ser considerado um homem de esquerda.
Para o professor de História Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o que pode se dizer com certeza é que Jânio tinha desejo de voltar ao poder provavelmente para ter mais força do que já tinha. “É preciso lembrar que três anos antes, em 1958, isso tinha acontecido na França, com o presidente Charles de Gaulle. Jânio tinha isso muito presente quando renunciou”, diz.
A renúncia, porém, foi aceita. O povo não se mobilizou. E Jânio jamais voltaria à Presidência. Sua única chance havia passado – e, ao invés de ficar mais poderoso, ele ganharia apenas a fama de um presidente trapalhão.
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