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A farsa acabou

O risco que corre o povo brasileiro é desacreditar de suas esperanças e cair nos braços de outro aventureiro ou psicopata

Rosiska Darcy de Oliveira

As máscaras caíram. La commedia è finita. A História, irônica como sempre, escolheu a Semana da Pátria para presentear os brasileiros com as imagens definitivas, irrefutáveis do fim de uma trama sórdida, urdida por uma gente abominável. Malas e malas de dinheiro sujo do ex-chefe da Secretaria de Governo de Temer, um depoimento frio e devastador contra Lula, uma gravação obscena e machista de um bandido armado com a poderosíssima arma que uma grande fortuna pode ser.

Que o Brasil tenha se tornado um acampamento de bandoleiros parece evidente. O que importa agora é que os Joesleys da vida estão encurralados, acabarão todos atrás das grades, onde já está Geddel, depois de uma boa e profilática limpeza de lava a jato. Essa é a melhor das notícias, o presente do Dia da Pátria.

Nos mesmos dias em que as fitas com o chorrilho de canalhices machistas de Joesley eram ouvidas no STF, em Curitiba Palocci contava ao juiz Sergio Moro o que muitos já sabíamos. Duzentos milhões de brasileiros ouviram do homem forte do governo Lula que o maior líder popular do Brasil, depositário não só das esperanças mas sobretudo do amor dos mais pobres, eloquente no discurso contra “eles”, os ricos, vivia a soldo “deles”, pedia milhões em propinas aos homens mais podres do Brasil. E recebia, fartamente. Dilma sabia das regras do jogo, jogando nas laterais. Eram “eles” que governavam o Brasil, embora os brasileiros acreditassem ter votado no Partido dos Trabalhadores.

O depoimento de Palocci, o Italiano das planilhas da Odebrecht, quebrou definitivamente os pés de barro do ídolo nacional que foi Lula, posto a nu na sua verdadeira condição de cúmplice do poder econômico mais corrupto. Sem apelação possível, ficaram demonstrados a periculosidade e o cinismo de uma organização criminosa que, sob o seu comando, governou o país por 16 anos.

É humilhante, sim, para o povo brasileiro, é uma traição terrível, uma decepção imensa para os milhões que o elegeram, mas é a verdade necessária que desconstrói os mitos e permite refundar a vida democrática.

Quando alguém é traído, no amor ou na amizade, o grande risco é perder a capacidade de amar. Na política, os melhores sentimentos podem deslizar para o desencanto. O risco que corre o povo brasileiro é, em um surto de depressão nacional, desacreditar de suas esperanças e cair nos braços de outro aventureiro ou psicopata, já que isso não falta na lista de pretendentes à sucessão de Lula no coração do povo. Um Lula ameaçado de passar as eleições de 2018 na cadeia.

Não me inscrevo entre os deprimidos. Indignada, sim, estou há décadas, com a obscena desigualdade deste país injusto, com a ditadura que ganhei de presente de 20 anos, com a progressiva usura dos sonhos de ver o Brasil tornar-se a grande nação que acreditei que ele fosse, com a evidencia da corrupção desvairada que, como um cupim, vai desfazendo o Estado brasileiro e contaminando a sociedade. Por tudo isso, creio que estamos vivendo um momento de travessia e de ruptura. Nada será como antes.

O ministro Luís Roberto Barroso, clarividente, aposta em uma revolução silenciosa em curso. “O velho já morreu, só falta remover os corpos. O novo vem vindo. Há uma imensa demanda por integridade, idealismo e patriotismo. Essa é a energia para mudar o curso da História”, escreveu em artigo recente.

Não é hora para depressão, ao contrário, é preciso celebrar essa revolução silenciosa e usar essa energia que a raiva e a frustração alimentam para fortalecer essas demandas que exprimem um querer coletivo.

A exigência de integridade é condição para governar, já que é obvia a relação de causa e efeito entre a pobreza e a corrupção, a ineficiência dos serviços e o assalto aos cofres públicos.

Idealismo, porque nunca tantos se preocuparam tão intensamente com o destino do país, opinando nas redes e nas ruas. E se há visões contrárias, o que é da natureza da democracia, são interpretações diferentes de um mesmo desejo de viver em um país mais justo. A lenda da juventude apática caiu por terra.

É preciso coragem para falar em patriotismo desde que o perigosíssimo Jair Bolsonaro usurpou a palavra para batizar seu partido fascistoide. No texto de Barroso essa palavra é reinvestida pelo que de fato é, o sentimento cálido de pertencimento, real, que todos conhecemos desde a infância e que nos leva a querer contribuir para tirar o país da tragédia em que mergulhamos.

A Semana da Pátria foi gloriosa. A farsa acabou. Caiu o pano. Desmascarados, nos bastidores, o salve-se quem puder.

Rosiska Darcy de Oliveira é escritora