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Dinheiro não contabilizado

“Quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem” – Padre A. Vieira, Sermão de Santo Antonio, 1654.

Almir Pazzianotto Pinto

Procuro ser comedido nas palavras e na escrita. Recuso-me a fazer uso de expressões chulas e a recorrer a palavrões. O leitor exige respeito. Nas manifestações públicas ou privadas a vulgaridade deprecia e compromete a quem não age com educação.

Há momentos, porém, em que a indignação supera os muros da civilização e explode, sendo difícil contê-la. O caso dos 51 milhões de reais, encontrados no apartamento usado por Geddel Quadros Vieira Lima supera tudo quanto já se passou nesta corruptíssima República, onde tornaram-se banais os escândalos que envolvem integrantes da cúpula política, associados a estelionatários travestidos de empresários.

Para saber algo a respeito do ex-deputado estadual, ex-Secretário da Segurança Pública, ex-diretor do Banco da Bahia, ex-deputado federal, ex-ministro de Estado, consultei o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (DHGB) cuja 2ª edição é de 2001. Trata-se de biografia inconclusa, mas reveladora. Dela extrai o seguinte parágrafo: “Em setembro desse ano (1992), em depoimento à CPI da NEC, o ex-ministro de Comunicações e governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães (1991-1994), acusou Geddel de ter sido eleito com o dinheiro do Fundo de Reequipamento da Polícia Civil (Funrespol), administrada por seu pai na época em que era titular da pasta da Segurança Pública” (vol. III, pág. 3.147).

O currículo de Geddel Lima revela político sagaz, camaleônico, ousado, pronto a acomodar-se a situação que lhe oferecer vantagem. Eleito cinco vezes deputado federal pelo PMDB, foi Ministro da Integração Nacional do governo Lula, vice-presidente da Caixa Econômica Federal no governo Dilma, Ministro do Governo do presidente Michel Temer, até renunciar após a denúncia feita pelo ex-Ministro da Cultura, Marcelo Calero, de tentar conseguir benefício ilícito na construção de apartamento em Salvador.

O que levaria abastado pai de família, com longa carreira na vida pública, a ocultar dezenas de milhões de reais de origem não declarada, em imóvel de terceiro? A resposta está na certeza de impunidade de quem se considera fora do alcance da lei. Outra explicação reside no fato de a ambição ser insaciável, como nos mostra a História.

A Polícia Federal faz a sua parte, e com exemplar eficiência. Cabe agora ao Ministério Público e ao Poder Judiciário levar a cabo, com rapidez, a responsabilidade que lhes cabe. A Geddel Lima a Constituição assegura a presunção de inocência, o direito à ampla defesa e ao devido processo legal. Espera o povo, porém, que o acusado não deslize entre as largas malhas da lei. Afinal, como explicará o dinheiro? Seria produto de subsídios no exercício de mandatos de deputado, ou ganhou enquanto foi ministro? Seria proveniente do comércio de gado, herança de família? Tudo indica que lhe não será simples a tarefa de imprimir a marca da legalidade a milhões de reais e dólares, encontrados em caixas e malas.

A Nação indignada observará o que está por suceder nas próximas horas. Além do caso dos irmãos Batista, tem o direito de saber de onde surgiu a dinheirama cuja propriedade é atribuída a Geddel Lima, e para quem iria, pois no apartamento não poderia permanecer indefinidamente. A origem está para ser apurada, mas o destino seria o financiamento de campanhas em 2018. Aplicar o “caixa dois”, ou recursos não contabilizados, na compra de votos, é costumeiro entre candidatos com folha corrida suja, porém sempre reeleitos.

Almir Pazzianotto Pinto é advogado; foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.