Pedro Marcondes de Moura, IstoÉ
Quando era criança em Curitiba, a pequena e espevitada Gleisi Hoffmann, ainda de madeixas rebeldes, ouviu de seu avô um ensinamento daqueles válidos para a vida toda e que se ajustou como uma luva à situação vivida por ela e pelo marido, o ex-ministro petista Paulo Bernardo, na última quinta-feira 23. Dizia ele, em tom professoral: se a campainha toca perto do cantar do galo, ou é vida nova ou é encrenca. Eram pouco mais de seis horas da manhã quando quatro homens bateram à porta do apartamento funcional do Senado em que o casal mora em Brasília.
Se não estavam lá para anunciar o nascimento de ninguém, problemas à vista, conforme vaticinara décadas antes o avô da agora senadora Gleisi Hoffmann. Batata! Os agentes da Operação Custo Brasil desembarcaram no imóvel para comunicar a prisão preventiva do ex-ministro Paulo Bernardo. Ato contínuo, vistoriaram o apartamento em busca de mais provas que ligassem os dois a um megaesquema de corrupção: o que desviou cerca de R$ 100 milhões de reais de contratos fechados pelo ministério do Planejamento entre 2010 e 2015, nas gestões Lula e Dilma.
Segundo o juiz Paulo Bueno de Azevedo, Bernardo, por ser influente e dono de força política, foi detido porque poderia agir para atrapalhar as investigações e evitar que o dinheiro desviado ficasse fora do alcance de Justiça. De acordo com os investigadores, o petista, que tinha medo de ser preso há mais de um ano, efetuou depósitos em previdência privada para blindar os valores de possíveis ordens de bloqueio.
Gleisi escapou de uma encrenca maior.
Não foi por falta de provas, segundo a investigação, que os agentes da PF foram embora sem conduzir a senadora para a cadeia. Documentos mostram que os recursos desviados pagaram contas, salários de empregados e até as despesas de campanha do casal. Não puderam prendê-la devido ao cargo ocupado hoje por ela. Como senadora, a petista possui privilégio de foro. As acusações contra ela correrão em segredo de Justiça no Supremo Tribunal Federal (STF). Na corte, Gleisi e Paulo Bernardo não são debutantes. Já respondem por terem recebido recursos de operadores do Petrolão.
As investigações que levaram Paulo Bernardo e mais dez pessoas à prisão começaram após o ex-vereador petista Alexandre Romano, o Chambinho, aderir à delação premiada na Lava Jato. Para reduzir sua pena, ele entregou documentos e relatou como o ex-ministro fez de um problema uma oportunidade para arrecadar milhões em propina. Em 2010, contou Chambinho, acumulavam-se reclamações de bancos sobre o sistema federal que gerenciava os empréstimos bancários a servidores com desconto em folha. Havia falhas e elas permitiam que os valores emprestados superassem o teto a ser descontado, gerando fraudes e prejuízos. Para corrigir os erros, foi aberta pelo ministério do Planejamento, comandado então por Paulo Bernardo, uma concorrência para selecionar uma empresa privada para administrar o banco de dados de concessão dos empréstimos consignados.
Deu-se então, segundo os investigadores, o início da falcatrua. A contratação acabou direcionada para que a companhia Consist vencesse. Em troca, a empresa se comprometeu a repassar 70% do faturamento ao PT, políticos e para a cúpula do ministério por meio de laranjas. Só Paulo Bernardo recebeu, de acordo com os autos, entre 2010 e 2015, “valores de um escritório, com o qual ele tinha relações, de mais de R$ 7 milhões” em propina, disse o procurador Andrey Borges. “Foi ele quem indicou pessoas estratégicas para que o esquema se iniciasse, de primeiro e segundo escalão. Para que esse esquema pudesse não só ser instaurado, mas mantido pelos cinco anos”, complementou. Paulo Bernardo não parou de receber sua parte no esquema nem quando trocou a pasta do Planejamento pela das Comunicações, em 2011. Os repasses apenas foram reduzidos de 9,5% para 4,6%.
Durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, os petistas Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo formaram o casal mais importante da República. Ele comandava o ministério das Comunicações. Ela administrava a Casa Civil, o cérebro do governo. Eram consultados pela presidente antes da tomada das principais decisões do governo e influíam em nomeações. Faziam parte do núcleo duro da administração federal.
No auge do poder, o casal Gleisi e Paulo Bernardo ambicionava o comando do Estado do Paraná. Acreditavam que a petista tinha chances reais de se eleger nas eleições de 2014. O sucesso da dupla, segundo contou o ex-senador Delcídio do Amaral em delação premiada, viria em boa parte da capacidade de Paulo Bernardo em arrecadar recursos. Mas foi justamente uma destas operações que jogou água fria na eleição da senadora ao governo. No auge da campanha, delatores narraram que recursos do Petrolão foram usados para alimentar os caixas da petista em disputas eleitorais. O tucano Beto Richa acabou vencendo no primeiro turno. Restou a Gleisi e a Paulo Bernardo uma denúncia da Procuradoria-Geral da República contra eles.
A tropa de choque da embromação
As manobras protelatórias dos senadores que compõem a tropa de choque da presidente afastada Dilma Rousseff, na comissão do impeachment do Senado, não são boas para o País e vão na contramão do que os empresários e a sociedade clamam: estabilidade política e econômica, que passam pela conclusão urgente do processo de impedimento. A despeito disso, o que se viu até agora são reuniões intermináveis, que duram mais de 12 horas. O ritmo modorrento se deve, na maioria das vezes, pelas interrupções dos senadores Lindbergh Farias (PT-RJ), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Humberto Costa (PT-PE), Fátima Bezerra (PT/RN) e Gleisi Hoffmann (PT-PR), com o objetivo de obstruir a pauta. As questões de ordem vão desde a discussão do regimento até pedido de longa pausa para horário do almoço. Outras artimanhas também tiveram a função de colocar no ponto morto os trabalhos do colegiado: excesso de requerimentos, um total de 121; quantidade de depoimento de testemunhas arroladas, 40; e o pedido de uma perícia, em que uma junta técnica terá que responder a 99 questionamentos. Com o festival de protelações, a petista adiou por, no mínimo, sete dias a votação final do impeachment. Agora, só depois das Olimpíadas.
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