Três gigantescas manifestações em todo o país. Uma caminhada de mais de mil quilômetros, a pé, de São Paulo até Brasília, que culminou no protocolo do pedido de impeachment de Dilma Rousseff. Mais de trinta dias de acampamento em frente ao Congresso Nacional para que a denúncia fosse acolhida pela Mesa da Câmara. Meses de pressão constante nas bases eleitorais de deputados e senadores. Esse foi o trabalho hercúleo que nos trouxe até aqui.
Apesar disso, a narrativa que o governo e setores da imprensa tentam emplacar é a de que o impeachment se resume a um mero embate entre a presidente Dilma Rousseff e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Ou isso ou a história de que o processo é um golpe da oposição.
O fato é que quem verdadeiramente sofre com a crise política, econômica e moral é a população. O desemprego, a inflação, os altos impostos, a impunidade e a paralisia política não incomodam o establishment. Incomodam o povo.
Principalmente a parcela mais pobre, que sente no estômago o desastre petista.
Vale lembrar que o impeachment começou a ser debatido pela classe política única e exclusivamente por causa da pressão popular. Antes de a população impor essa pauta, até a oposição a rejeitava. O governo e amplos setores da imprensa chamavam-na e ainda a chamam de “golpe”. A demanda por uma resposta das instituições não parte principalmente da mídia nem dos políticos, mas da sociedade.
Durante o processo de impeachment de Collor, a história foi bem diferente. As manifestações eram apoiadas ou organizadas por diversos partidos políticos. A narrativa da imprensa também era outra: não se falava em “golpismo” ou “fascismo”, mas em “festa da democracia” e “momento histórico”.
Partidos de esquerda levantavam a bandeira da honestidade. Lula discursava sobre a importância de o povo ter o poder de destituir um político. A população mantinha a esperança de que um governo de esquerda pudesse trazer uma nova moralidade.
Hoje, as manifestações são contra um governo de esquerda. Viu-se que a única novidade que a esquerda pode trazer para a moral é trocar “certo e errado” por “contra o partido ou a favor do partido”. A sociedade brasileira tornou-se menos ingênua. E, em política, a perda da ingenuidade será sempre um bem.
O MBL e o Vem Pra Rua, junto com diversos outros movimentos e partidos de oposição, iniciaram a campanha #EsseImpeachmentÉMeu! Ela desconstrói a narrativa oficial e deixa claro que o maior interessado no impeachment da presidente Dilma não é Cunha ou a oposição, mas a população brasileira.
A campanha terá seu grande momento no dia 13 de março, quando acontecerá a próxima manifestação pelo impeachment, marcando um ano do primeiro grande protesto. E se espera que o Congresso reflita as inquietações da sociedade se não quiser ser superado por ela.
Hércules tinha de limpar uma estrebaria imensa. Nós temos o Estado brasileiro a limpar, transformado que foi em estrebaria. O herói grego precisou desviar dois rios para completar sua tarefa. Nenhum de nós, individualmente, tem o poder de eliminar o lamaçal que tomou conta do país. Até porque “mar de lama” há muito deixou de ser só uma metáfora. Mas nós somos o mar de gente e temos ao nosso lado a Constituição e as leis.
No dia 13 de março, devemos canalizar esse mar para as instituições. Fortalecidas, elas resgatarão a dignidade do poder. Ainda assim, temos de ter em mente que o impeachment não é panaceia. O caminho até uma República forte e um Estado que atenda aos interesses da sociedade é longo. A queda de Dilma Rousseff é só a primeira das doze tarefas.
Kim Kataguiri é coordenador do Movimento Brasil Livre, colunista do HuffPost Brasil e comentarista da Rádio ABC. A revista ‘Time’ o considerou um dos jovens mais influentes do mundo.
Foto: Orlando Kissner
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