Em 2011 ouviu-se a seguinte frase: “Evitem vestir-se como vadias para não serem estupradas”. Percebendo que essa afirmação culpa a própria vítima pela agressão sexual, decidimos ir às ruas pelo fim da culpabilização da mulher e para gritar que a culpa do estupro é sempre do estuprador.
Ao discutirmos o uso da palavra “vadia” para intitular o movimento, percebemos a força de opressão que o termo carrega. Vadia é aquela que se veste como quer, que não realiza todos os desejos do homem, que tem uma personalidade forte, que exerce sua liberdade sexual. Vadia é a mulher que trabalha para sustentar a casa, que apanha do marido, que faz sexo forçado. Vadia é a mulher que não tem voz na nossa sociedade patriarcal, que existe apenas para realizar os desejos do outro, que é vítima da violência.
Trecho de artigo de Máira de Souza Nunes. Leia a íntegra clicando no “mais”
E então descobrimos: somos todas vadias. Esse é o lugar que nos é reservado e nos apropriamos dele. Percebemos que vadia é quem busca libertar-se da dominação machista e nos assumimos como tal. Se ser livre é ser vadia, então somos todas vadias. Não queremos mais nos sujeitar à violência, seja ela física, sexual, psicológica, moral ou institucional. Queremos exercer o nosso direito à igualdade sem sermos rotuladas ou agredidas. Vadia, para nós, virou sinônimo de mulher que luta e não se cala. Nós, vadias, somos hetero, homo e bissexuais. Somos cissexuais e trans. Somos cidadãs e cidadãos e exigimos os nossos direitos.
Assim, organizamos o movimento Marcha das Vadias de Curitiba e fomos conhecer a verdadeira realidade da violência contra a mulher. Fomos bem recebidas pelas secretarias municipais e por organizações que atuam na área, como Espaço Mulher e Rede Feminista de Saúde, e tivemos acesso a alguns números relativos à violência. Descobrimos que existe apenas uma casa-abrigo para mulheres em situação de risco; que o agressor demora até 2 meses para ser notificado sobre uma medida protetiva; que 80% das vítimas de agressão sexual (conjunção carnal e ato libidinoso) têm de 0 a 18 anos e que os bairros Cajuru e Boa Vista são os campões em registros de agressões contra a mulher.
Sabemos que o trabalho com esses dados não envolve apenas a questão da violência doméstica, mas principalmente a conscientização sobre a violência de gênero. Em nossa luta nos unimos à causa LGBTQ em busca do respeito e da igualdade de direitos. A realidade da violência na nossa cidade e no nosso estado nos deixa à mercê do agressor. Não temos segurança e nem os nossos direitos básicos de cidadania assegurados.
Temos trabalhado muito no enfrentamento à violência de gênero e o nosso principal mérito tem sido o da conscientização. Diversas mulheres cissexuais e trans, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e queers não se percebem como vítimas da violência. Desconhecem a Lei Maria da Penha, que regula as questões referentes à violência doméstica.
Perceber-se na condição de vítima, seja qual for o tipo de violência, é um processo muito doloroso. Demanda acolhimento, aceitação, apoio e acima de tudo ausência de julgamento. Essa tem sido a nossa luta e convidamos todos os que se interessarem a passar uma tarde conosco no atendimento às vítimas de violência. Somos polêmicas e usamos a provocação como forma de mobilização, mas o ultraje não é nosso nome nem nosso protesto, e sim a violência que nos cerca. A Marcha das Vadias, que hoje sai pelas ruas, não é sobre sexo, é sobre violência.
*Máira de Souza Nunes, professora universitária e coordenadora da Marcha das Vadias de Curitiba. (Artigo originalmente publicado pelo jornal Gazeta do Povo)
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