Texto de Pablo Ordaz, especial para El País on line
No Vaticano, a fé é uma virtude e a confiança, um perigo. Há um mês, Bento 16 elegeu três cardeais para que investigassem a fuga de documentos secretos. Ratzinger tomou cuidado de que os três prelados tivessem mais do que 80 anos e, portanto, estivessem impedidos de participar do conclave que elegerá o próximo papa.
Livres de toda esperança ou tentação, os cardeais puseram-se a trabalhar e, quinta-feira passada, obtiveram a prisão de Paolo Gabriele, o mordomo acusado de ser O Corvo, o traidor que roubava correspondência dos aposentos papais e a filtrava para a mídia italiana. As informações deram origem ao polêmico livro Sua Santidade, as Cartas Secretas de Bento 16.Nas últimas horas, algumas destas mídias receberam misteriosas chamadas telefônicas de outros supostos Corvos que deixam a mesma mensagem: – Paoletto não está só, somos muitos, inclusive muito superiores a ele. Queremos defender o Papa, denunciar corrupção, fazer uma limpeza dentro dos muros do Vaticano.
Defender o Papa? De quem? As vozes anônimas confirmam um segredo de estado – o Vaticano tornou-se há alguns meses um campo de batalha entre diversas facções que lutam pelo poder – porém se arrogam intenções beatíficas difíceis de crer.
Tão incríveis como alguns dos detalhes que adornam seu relato: à frente da operação de limpeza estaria uma mulher – extremo bastante estranho, peculiar mesmo, em se tratando do Vaticano – a cujas ordens voarim Corvos de distintas graduações e estados civis, desde cardeais, arcebispos, mordomos, incluindo um hacker, ou pirata informático.
Seu principal objetivo: proteger o Papa do seu número dois, o cardeal secretário de Estado do Vaticano, Tarcisio Bertone (na foto vestido de púrpura).
Tudo começou no verão passado, explica um dos corvos porta-vozes, quando o secretário geral da Governadoria Pontifícia, monsenhor Carlo Maria Viganò (foto abaixo vestido de cor de bispo, com palma na mão) perdeu a batalha contra a corrupção. Não é nenhum segredo. Foi efetivamente o primeiro golpe.
A divulgação, num programa de televisão, de uma carta do Arcebispo Viganò, onde relatava ao Papa diversos casos de corrupção dentro do Vaticano e pedia demissão do seu cargo da Governadoria – o departamento de licitações e abastecimento da Casa Pontifícia.
Bertone houvera decidido afastar Viganò, numa queda para o alto, nomeando-o Núncio Apostólico em Washington.
Foi então, continua O Corvo, que entendemos que o Papa não havia conseguido se impor diante de Bertone, e nos pusemos a agir. As cartas de Viganó a Bento 16 e ao secretário de Estado Cardeal Bertone foram as primeiras que decidimos divulgar.
O segundo vazamento à imprensa falava de um suposto complô para assassinar o Pontífice. Trata-se de uma carta enviada a Bento 16 pelo cardeal colombiano Dario Castrillón de Hoyos em que contava que o cardeal arcebispo de Palermo, na Sicília, Paolo Romeo havia comentado na China: O Papa morrerá em 12 meses.
Segundo a carta do cardeal colombiano, o arcebispo de Palermo dava detalhes do complô destinado a tornar o próximo papa, o bem articulado cardeal de Milão, Ângelo Scola (foto acima vestindo preto debruado de púrpura).
Havia detalhes muito importantes nesta carta, que muito recente, escrita em alemão – língua de Joseph Ratzinger – tinha o selo de estritamente confidencial.
Até que ponto Paolo Gabrielli, o mordomo, seria capaz de escolher, entre as centenas de correspondências confidenciais sobre a mesa do Papa, quais as mais importantes para vazarem na mídia?
Há um momento razoável no relato do Corvo anônimo que atribui ao próprio Papa Bento 16 a criação de uma célula de proteção e segurança, composta de 4 homens coordenados por uma mulher. Eles se converteram nos agentes secretos do Pontífice.
Ante o aluvião de rumores, o porta voz do Vaticano, Federico Lombardi, precisou falar à imprensa. Negou tudo. Disse que não há cardeal algum sob investigação.
Disse que a prisão do mordomo nada tinha a ver com a destituição de Ettore Tedeschi presidente do IOR – Instituto de Obras da Religião – o Banco do Vaticano.
Os Corvos que falam asseguram que a fulminante demissão de Tedeschi deve-se à limpeza do Banco do Vaticano, desejada por Bertone, cardeal secretário de Estado, para que o Conselho Europeu – no esforço de resgate econômico – não colocasse a instituição da Igreja entre as acusadas de lavagem de dinheiro.
Enquanto isso, Paolo Gabrielli – o mordomo do Papa – detido, decidiu falar. Vai contar porque pecou e se o fez só, ou em companhia de outros. Não muito longe de seu cativeiro, vivem sua mulher e seus 3 filhos, sem saber se deverão abandonar o apartamento dentro do Vaticano, onde moram.
Uma coincidência, no mesmo edifício vive Pietro Orlandi, irmão de Emanuela, filha de um empregado do Vaticano, desaparecida misteriosamente em junho de 1983. Sua família tem suplicado à Santa Sé, desde então, providências para que revelem aquilo que sabem sobre o ocorrido, há 30 anos.
Diante de tanto silêncio, no último domingo, na praça de São Pedro, aconteceu o inimaginável, o Papa foi vaiado. O caso Orlandi é um dos mistérios que os romanos sabem, jamais será resolvido. Talvez como o caso dos Corvos que voam sobre o Vaticano, nesta primavera italiana de 2012…
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